Nana Caymmi deixa bela resposta ao tempo com discografia pautada pelo rigor e pelo sentimento da voz quente
Nana Caymmi (1941 – 2025) foi umas das grandes cantoras do Brasil Lívio Campos / Divulgação ♫ OBITUÁRIO ♪ Qualificar Nana Caymmi como uma das maiores ...

Nana Caymmi (1941 – 2025) foi umas das grandes cantoras do Brasil Lívio Campos / Divulgação ♫ OBITUÁRIO ♪ Qualificar Nana Caymmi como uma das maiores cantoras do Brasil é um ato de justiça. Exceto quando estourou em 1998 ao dar voz ao bolero Resposta ao tempo (Cristovão Bastos e Aldir Blanc) em gravação veiculada na abertura da minissérie Hilda Furacão, da TV Globo, Nana nunca alcançou a popularidade massiva de Elis Regina (1945 – 1982), Gal Costa (1945 – 2022) e Maria Bethânia, cantoras como ela projetadas na plataforma dos festivais da canção dos anos 1960. Mesmo assim, Dinahir Tostes Caymmi (29 de abril de 1941 – 1º de maio de 2025) foi tão grande que ninguém nunca a acusou de se beneficiar de ser filha do gigante Dorival Caymmi (1914 – 2008). Nana foi grande por ela mesma, pela discografia que construiu com a força da personalidade que usava o (mau) humor como defesa. E com a voz única que parecia sair do útero com toda a intensidade da alma da artista. Essa obra e essa voz são a bela e perene resposta ao tempo deixada pela cantora ao morrer no início da noite de hoje, 1º de maio, feriado nacional, aos 84 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos em decorrência de choque séptico. Após nove meses de internação em hospital para tratar problemas cardíacos e circulatórios, Nana sai de cena na cidade natal em que foi vaiada em 1966 ao se sagrar vencedora do primeiro Festival Internacional da Canção (FIC) com a canção Saveiros, parceria do irmão Dori com Nelson Motta. Ela disse algumas vezes que pouco se importou com as vaias. E devia estar mesmo falando a verdade, pois Nana nunca fez tipo com jornalistas, críticos. Era da linha sincerona. E levou essa verdade para a obra pautada pelos boleros, pelas canções, pelos sambas (inclusive os do pai) e pelos sambas-canção, gêneros dominantes na discografia iniciada no colo do pai, em 1960, ano em que Nana gravou Acalanto (1957) com Dorival. Nana Caymmi foi cantora de voz, suor e sentimento. Uma voz afinada, expressiva e quente que nunca caiu no sentimentalismo. A emoção que saía daquela voz era densa e profunda, mas depurada, sem excessos melodramáticos. Sem poupar coração, a cantora construiu discografia lapidar a partir dos anos 1970, década dos álbuns Nana Caymmi (1975) e Renascer (1976). Nana nunca fez um disco ruim ou mesmo mediano na trajetória fonográfica encerrada há cinco anos com o majestoso Nana Tom Vinicius (2020), em que deu voz ao cancioneiro de Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) e Vinicius de Moraes (1913 – 1980) com arranjos de Dori Caymmi. Todos resultaram no mínimo bons, quase sempre excelentes. Contudo, para quem quiser ouvir suprassumo dessa obra fonográfica, a dica é priorizar os álbuns gravados na EMI-Odeon e lançados na década magistral que foi de 1979 a 1989. Há pérolas raras em álbuns como Nana Caymmi (1979), Mudança dos ventos (1980), ...E a gente nem deu nome (1981) e Chora brasileira (1985), sem falar no Voz e suor (1983) dividido com o pianista César Camargo Mariano. Nesses discos, há músicas menos conhecidas de compositores como Claudio Nucci, Fátima Guedes, Gonzaguinha (1945 – 1991), João Donato (1934 – 2023) e Sueli Costa (1943 – 2023), entre outros. A propósito, Nana nunca foi cantora de hits. E pagou preço por isso. Quando o mercado foi ficando mais refratário para cantoras de MPB, a partir da década de 1990, a artista teve que priorizar os discos temáticos. Mas fez todos com o mesmo rigor. Na esteira do êxito comercial do álbum Bolero (1993), dedicado ao gênero que Nana aprendeu a amar quando morou na Venezuela e ao qual dedicou em 2000 um segundo álbum, Sangre de mi alma, a cantora lançou em 1994 o álbum A noite do meu bem – As canções de Dolores Duran (1994), formatado pelo produtor musical, José Milton, que acompanharia a cantora de 1993 até o songbook lançado em 2019 com músicas do compositor e pianista Tito Madi (1929 – 2018), uma das primeiras paixões musicais de Nana. Todos esses discos são o legado eterno de Nana Caymmi, a que nunca teve censura, a que ninguém dobrou, mesmo quando os ventos mudavam, e não eram a favor da artista. Sim, Nana Caymmi se eterniza hoje como uma das maiores cantoras do Brasil, uma intérprete cujo alcance do sentimento do canto foi alto. Porque, mais do que ser afinada Nana Caymmi sabia dar o sentimento adequado a cada verso que cantou com a respiração precisa. Nana Caymmi viveu o drama de cada música que gravou. Por isso foi, sim, grande, uma das maiores.